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Entre o caos e a desordem

 Entre o caos e a desordem, voo a direito ,sem tremer. Há chamas que ardem em redor, escombros por todo o lado. Ouvem-se gritos deslocalizados. Vou dando a mão a quem a estica e puxo para fora. Não posso fazer mais. Cabe a quem sai dos escombros erguer-se e voar também sobre o mundo perdido fazendo o melhor que conseguir. A sério. Também lá estive preso nos destroços do meu ser. Depois de sair achei possível mudar o curso dos rios e terraplanar as montanhas no meu caminho. Achei que tudo em meu redor estava errado. Felizmente abri os olhos a tempo, e aprendi a fluir com a água corrente e a contornar os obstáculos sem desconstruir nada nem ninguém. Só a mim. Tirei as pedras que tinha pousadas nas pálpebras e as correntes que me seguravam os pés. E caminhei em frente, sem medo até as asas da liberdade surgirem. Os dias não têm que ser um castigo. O último segundo não volta e o próximo ainda não chegou, neste exato momento que vivemos. E cada um que perdemos a olhar para trás, retira-...

Tear de sons

  O som, inicialmente é um eco no vazio. Experimentei vidas, onde passei de raspão e  ouvi meias verdades. Não que tenham tentado enganar-me ou vender doutrinas erradas, que arrisco dizer que não existem. Mas sim porque todas as verdades não são mais do que isso. São metade. Metade de quem diz e metade de quem ouve. E não há duas iguais. Cada ouvinte, ao longo do canal que lhe transporta o som até ao mais profundo do seu ser, molda o estímulo recebido de acordo com as marcas da forja. Cada palavra posta à solta, tem tantas formas quantos os ouvidos que a que a recebem. É por isso que o falar é um assunto tão delicado. Pouco importa o volume ou a nitidez. As palavras mais importantes podem ser escutadas na corneta de uma grafonola de agulha romba. Bem como a mais perfeita alocução em alta definição pode ser pobre de sentido. Cabe ao ouvido decidir.  Em torno das palavras ditas, brilha uma aura que as define e particulariza. Peças únicas, feitas de finas camadas cruzadas, ...

Esperança

 Amor de sobra. Não existe amor demais. Nem de sobra sequer. Existe amor. E ponto final. Há anos que não lhe encontro descrição. Há mundos inteiros que não lhe vejo explicação. Simplesmente é. Não uso a palavra há muito. Não por não a saber. Nem por temer a sua força. Mas sim porque o desafio está em o dizer sem o dizer. Em ser mais do que mostrar. A montra é curta e quadrada. O amor não cabe lá. É irregular na forma e incomensurável na medida. Às vezes parece escassear. Mas não. Está só escondido a descansar. E  se lá estiver volta de surpresa. Sem travões. É facilmente confundido com outros tantos semelhantes, feitos para nos iludir. São mais fáceis de encarar porque são pouco profundos e mais pequenos. Por vezes trabalham em conjunto com ele mas nunca o substituem. Procuram apenas o seu apoio para se engrandecer. Nunca a paixão, o desejo e a ilusão conseguirão tomar o seu lugar.  Mas ele como  que os ama por ser quem é, e  perdoa-lhes por não saber lidar de o...

4

Queria que hoje fosse só mais um dia. Como os outros 4 de dezembro que me esqueci que dia era. Mais um dia que iria trabalhar, e quando voltasse, meio atrasado pela azáfama, teria um pequeno mar de gente á minha volta que faria questão de me lembrar que é tempo de comemorar a vitória que de ter passado mais um ano onde pertenço.  Porque é isso que se deve comemorar. Rever o que passou e ficar feliz por ter aguentado o barco mais em mais uma viagem. Tão simples quanto isso. Deixei de embarcar em  carreirismos vagos e ocos. Cheios de vitórias que não me pertencem nem nunca pertencerão. Cheios da hipocrisia dos sorrisos. Carregados de vidas enlatadas que se resignam ás decisões tomadas na inocência da juventude. A vida deve viver-se onde nos sentimos bem. Onde sentimos pertencer. Não é a cenoura na ponta da cana que nos deve fazer andar. Porque se olharmos para ela sem o eufemismo que a soberba nos põe nos olhos, vemos só uma cenoura, que tal como todas as cenouras, com o passar ...

Gnus

 Escondi-me. Onde tudo parece seguro. Dentro . Na sombra do ser. Enrolado a um canto, a espera de nada. Porque não há nada para esperar. Costumava sentir saudade do tempo em que tudo se espera. Em que a curiosidade era suficiente para alimentar a vontade de seguir a estrada. A curiosidade foi-se. Assim como qualquer tipo de propulsor. A cor da humanidade esbateu e assumi que a gregariedade da  espécie, não assenta nos princípios que inicialmente pensei. Desisti de acreditar no amor ao próximo, no respeito mútuo ou até na tão simples e banal empatia. À semelhança das outras espécies que também atuam em manada, só interessa a sobrevivência individual. E nada mais. A vivência em grupo é apenas um ato egocêntrico de reduzir a probabilidade de ser  próxima presa. Temos no entanto um acréscimo de desprezibilidade em relação ao outros animais que assim vivem: Nós raciocinamos. E deveria ser mais fácil e lógico pensar em proteger o grupo, dada esta capacidade. Mas ao invés de uti...

Aqui

 Era já tempo de seguir. O vento que entra pelo vidro quebrado trás consigo a poeira vermelha que tinge tudo o que toca. Sem ter mais o que perder, desenho formas aleatórias na camada que se juntou sobre a mesa vazia. A incidência da luz da vela, reflectida no espelho quebrado pendurado na minha frente, torna-as completamente indecifráveis. Tão aleatórias quanto o estado de alma que experimento. Não decifro nem uma coisa nem outra.  O  bater metálico do ponteiro que marca o compasso, parece abrandar quando decido parar para o ouvir. Consigo observar o seu movimento entre os sulcos  quinados, de alumínio escovado que se elevam  sobre o fundo preto, dividindo a circunferência em segundos. E cada salto soa a eternidade. Mas fico, mesmo que não saiba onde estou. Talvez por não saber para onde ir. Talvez queira. Já não me recordo sequer como aqui cheguei. Na verdade não é da minha conta como vim aqui parar. É o acaso que nos trás onde estamos em cada momento. De nada...

Desmorrer

 Vendi me por uns cêntimos de calor. Achei me barato e deixei me ficar, num silêncio abafado.  Não ambiciono ter valor. Não quero  ser procurado. Muito menos encontrado.  É tão confortável estar na redoma e não tentar sequer sair.  Seguro, sem correr o risco de cair ou cortar-me nos estilhaços da quebra.  Basta aguardar o fornecimento de ar em doses quase insuficientes mas regulares. Esperar que o tempo aconteça sem mácula ou incómodo, além da privação.  Além da ansiedade de não saber quanto tempo resta.  Os gemidos de dor tornam-se um costume e a certa altura já nem se ouvem. E fico. Um e outro dia. Numa decisão apoiada na fraqueza e no medo de perder um grande conjunto de nadas.  Nadas que aparentemente preenchem. Nadas que dão tudo o que não faz falta. Nadas totalmente dispensáveis.  Amanhã é tarde. E hoje já passou.  Não há mais tempo a perder. Nenhum ter no mundo é maior do que o ser.  O tempo de ser é curto. Curto demais ...