Querer

 Trago a alma no bolso, enrolada como uma linha. Augurei outros fados, outras paragens. Mas mudei de rumo. Rodei noventa graus sobre um pé e segui noutra direcção. Passo a passo temi. E tremi. Dancei e cantei, ébrio de querer. Carpi mágoas, morri de amores e renasci. Dobrei cabos das tormentas e enchi-me de boas esperanças. Volvi o meu mundo tantas vezes quantas ele quis rodar. Ganhei. Perdi. E sempre que perdi, ganhei também. 

Dei as mãos às mãos que aceitei. E a outras que não pedi. 

Ouvi em silêncio.  E a partir dessa surdina fiz discursos intermináveis. Devia ter ouvido mais. Ás vezes, apesar de toda a atenção , a inquietação não nos deixa ouvir o que nos é dito. Só ouvimos o que a nossa alma quer. 

Não termino aqui o relato. Ou talvez termine, não sei. Não é o balanço final, porque não sei quando acabarei. Se o for, não foi por querer. 

Também não é um inventário. Não se inventaria o viver, nem se vive quando só interessa colecionar o espólio para o contar pelos dedos. Hoje é o dia. Tal como todos os outros o foram e como serão todos os que mais me forem concedidos. É o dia ser e de fazer. Dia de estar vivo. É um dever. E um direito. Ás vezes é preciso rasgar o pano. Despir a toga e ficar a nú enrolado no canto do templo. Sentir o frio. Recalcular. Inalar e exalar o ar e observar a nuvem que sai da boca a dissipar-se. E a pureza do ar determina o destino. Mais nenhum factor decide o rumo. Porque não há. É apenas a vontade a moldar a direcção. Porque os trilho são traçados pela multidão. Mas os caminhos são desbravados pela audácia dos guerreiros. Que nada trave o querer.

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