Gritar

 Espalhar palavras silenciadas. 

Falar alto em surdina, gritando ao mundo sem inquietar ninguém. O grito já não tem como objectivo entrar no ouvido como outrora foi a sua razão de ser. 

 Só quer sair da garganta. Perdeu a vontade de provar ao mundo ou de procurar resposta. FIcou apenas a necessidade de soltar as amarras que contêm os braços.

 Numa atitude aparentemente fria mas profunda, do alto da montanha, projeta-se um brado vindo das entranhas, enquanto todos os vasos sanguíneos da cabeça se fazem ver. Faria doer os tímpanos mais duros, assim tivesse destino. 

Todo o esforço resulta num cansaço tal que as pernas têm dificuldade em manter a verticalidade, tremendo em anúncio de desmaio. Tudo em vão. É sabido que há muito que ninguém ouve as vozes que ecoam no espaço. 

Acabaram-se os ouvidos em riste que absorviam cada grito e o transformavam em condescendência e compreensão, devolvendo por vezes alguma paz interior. Todos gritamos desenfreadamente do alto da nossa montanha de por que e porquê. O ruído resultante é tal que nos acomete à surdez emocional. Tornámo-nos apenas som. Ecos perdidos. Tinidos vazios. Talvez um dia um ouvido se cure.

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