Desmorrer
Vendi me por uns cêntimos de calor. Achei me barato e deixei me ficar, num silêncio abafado.
Não ambiciono ter valor. Não quero ser procurado. Muito menos encontrado.
É tão confortável estar na redoma e não tentar sequer sair.
Seguro, sem correr o risco de cair ou cortar-me nos estilhaços da quebra.
Basta aguardar o fornecimento de ar em doses quase insuficientes mas regulares. Esperar que o tempo aconteça sem mácula ou incómodo, além da privação.
Além da ansiedade de não saber quanto tempo resta.
Os gemidos de dor tornam-se um costume e a certa altura já nem se ouvem. E fico. Um e outro dia. Numa decisão apoiada na fraqueza e no medo de perder um grande conjunto de nadas.
Nadas que aparentemente preenchem. Nadas que dão tudo o que não faz falta.
Nadas totalmente dispensáveis.
Amanhã é tarde. E hoje já passou.
Não há mais tempo a perder. Nenhum ter no mundo é maior do que o ser.
O tempo de ser é curto. Curto demais para gastar a achar.
Curto demais para menosprezar a essência. Para evitar regaços aconchegantes e desperdiçar abraços motivadores.
Para consumir em estado de dormência e apatia.
Impera mudar. É necessário agir.
Dar o peito às balas. O primeiro passo do resto do caminho. Em suma e adulterando o léxico: Desmorrer.
Brilhante... Mas também sofrido.
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